quarta-feira, 7 de novembro de 2012

Psicoterapia- Que linha de abordagem escolher?

Freud não explica


Passar anos no divã falando sobre a infância está saindo de moda. Cada vez mais psicólogos e pacientes adotam terapias rápidas e focadas em resultados, que não estão nem aí para as ideias do pai da psicanálise
por Julliane Silveira | Ilustração: Marcus Penna
Editora Globo
Ilustrações: Marcus Penna
O doutor Sigmund Freud deve estar se revirando no túmulo. Ele viveu o suficiente para ver sua proposta de cura pela fala e suas teorias sobre o inconsciente se popularizarem ainda na primeira metade do século 20. Talvez não imaginasse, porém, que tantas linhas diferentes de terapia surgiriam depois disso. E muito menos que, 100 anos depois, algumas delas pudessem até colocar em xeque a relevância da psicanálise dentro da psicologia, ciência que ajudou a fundar.

“Eu nunca vi a psicanálise resolver problema de ninguém. É diferente analisar um problema e resolvê-lo. Uma pessoa de temperamento incontrolável pode voltar à infância para entender por que é assim, mas isso não resolve a questão”, diz o terapeuta americano Barry Michels. Ao lado de Philip Stutz, ele escreveu um livro chamado O Método, que tornou-se um best-seller internacional defendendo o uso de ferramentas para resolver problemas de modo prático e rápido. Os seguidores de Freud devem ter procurado um divã, ao ver a dupla de terapeutas conquistar astros de Hollywood. Na TV e na imprensa, famosos não param de falar sobre como a dupla os ajudou a superar crises de criatividade e coragem.
O sucesso, no entanto, reflete uma tendência mais ampla de interesse pelas chamadas terapias comportamentais e cognitivas (ou TCCs) das quais ambos são adeptos. No meio científico, por exemplo, a popularidade delas tem crescido. Uma busca por estudos com os termos “terapia cognitiva” e “psicanálise” no PubMed, principal base online de artigos científicos, mostra que em toda a década de 1990 foram publicadas 200 a 300 pesquisas sobre cada linha, por ano. Na última década, porém, a média anual de estudos sobre TCCs triplicou para cerca de 1.000, enquanto o interesse pela psicanálise se manteve estável, na casa dos 200.

A pegada objetiva e rápida que essa linha oferece também combina com a demanda dos pacientes. Não existem dados nacionais sobre o assunto, mas um relatório da Consumer Reports, publicação americana sobre padrões de consumo nos EUA, mostrou que o número médio de sessões frequentadas por pacientes caiu de mais de 20, em 1994, para 10, em 2004. Uma indicação clara de que os pacientes têm cada vez menos tempo (ou dinheiro) para os longos processos terapêuticos da psicanálise, em que o analisado é incentivado a descobrir sozinho suas fontes de angústia e as respectivas saídas.

O próprio Stutz, psicanalista de formação, já aplicou terapias de longas, mas passou por uma crise. “Usava um método que não era direcionado às necessidades do paciente, que ficava muito livre no processo. Mas, se ele teria de encontrar sozinho suas próprias soluções, por que viria à terapia?”
Outro algoz da psicanálise é Jonathan Alpert, queridinho dos executivos de Wall Street, que andam precisando de muita terapia desde 2008, quando as bolsas de valores entraram em crise. Em abril, ele publicou um artigo no New York Times sugerindo o fim dos processos psicoterapêuticos longos e de sessões sem resultados mensuráveis. Foi o início de uma briga, que acabou em uma enxurrada de protestos — e em mais clientes para Alpert. “Muita gente me atacou, mas defendo que as pessoas devem ter objetivos definidos na primeira sessão de terapia, para poder monitorá-los ao longo do processo”, diz o terapeuta comportamental.

No artigo polêmico, o terapeuta cita um estudo publicado em 2010 no American Journal of Psychiatry, que mostra que 42% das pessoas frequentam somente de 3 a 10 sessões de terapia, e pouco mais de 10% fazem mais de 20 sessões. Seu ponto: terapias que dependem de muitas sessões para mostrar resultado são inúteis para a maioria. Alpert diz que 3 ou 4 sessões já são suficientes para produzir algum benefício ao paciente, segundo sua experiência.

Terapia express
As terapias comportamentais não são novas. Suas bases foram lançadas ainda em 1920, pelo psicólogo americano John Watson, e aprimoradas a seguir. Só nas últimas décadas, porém, que sua popularidade decolou. “Hoje, nos grandes centros públicos de saúde do Brasil e do exterior, é o tipo de terapia mais aplicado”, diz a psicóloga e pesquisadora do Laboratório de Fenomenologia Experimental e Cognição da UFRGS Maria Adélia Pieta, que não é adepta dessa linha, mas reconhece sua atual popularidade.

O objetivo das TCCs é mudar o comportamento do paciente diante de um problema usando técnicas validadas em estudos científicos. Ela sempre trabalha com um foco específico: depressão ou dificuldade de falar em público ou dependência química, por exemplo. Nunca tudo ao mesmo tempo agora. Os problemas não são, necessariamente, tão objetivos. Mulheres que têm o seio retirado por causa de câncer de mama, por exemplo, costumam ser encaminhadas para esse tipo de terapia para lidar com questões subjetivas como eventuais crises de feminilidade. Mas não importa o problema: tudo deve ser tratado rapidamente, em no máximo 20 sessões.

Nas TCCs, o terapeuta atua como uma espécie de “personal trainer” da mente e direciona mudanças no que a pessoa pensa sobre si ou sobre uma situação. Para isso, são aplicados exercícios mentais, técnicas de relaxamento e até tarefas de casa. Ele pode propor ações específicas, como conversar com uma pessoa-chave ou enfrentar determinada situação. Constantemente, terapeuta e paciente avaliam em conjunto a evolução do tratamento, se o processo está caminhando satisfatoriamente para o resultado desejado.

Essa abordagem quase médica, como uma intervenção de curto prazo para acabar com os sintomas de uma doença, torna mais simples falar de “alta” e de “cura” na terapia. Isso talvez explique a popularidade dessa linha e, principalmente, o alto número de estudos científicos realizados sobre ela nos últimos anos. A possibilidade de medir e de repetir resultados é uma característica muito valorizada por cientistas e centros de saúde com verbas limitadas e contas a prestar.

O fato de as terapias comportamentais estarem na moda, no entanto, não quer dizer que elas sejam a solução para todos os problemas e, muito menos, que as ideias de Freud vão cair no esquecimento. O divã tradicional e os métodos que o acompanham ainda têm seu lugar. “As terapias breves foram pesquisadas em centenas de estudos e funcionam muito bem, com resultados semelhantes às de longo prazo. Mas não são uma panaceia para todas as questões”, diz o psicólogo John Norcross, ex-presidente do departamento de psicoterapia da Associação Americana de Psicologia.

O lugar do divã “Não conheço ninguém que passou por dois meses de terapia e está realmente bem”, diz o psicanalista Daniel Kupermann, professor de história da psicanálise da Faculdade de Psicologia da USP e um dos maiores estudiosos de Freud no Brasil. A acusação é praticamente a mesma que Michels fez sobre a linha freudiana no começo desta reportagem, o que revela a intensidade da rixa que existe entre as duas escolas. “Não estamos falando de tratar um dente, é um ser humano com todas as suas questões. Não posso afirmar a alguém que ele vai ficar melhor em x sessões.”

Os psicólogos reconhecem que, se é verdade que nem todo mundo tem tempo ou dinheiro para tratamentos longos, também é fato que nem todas as questões podem ser resolvidas de uma hora para outra. Crises existenciais profundas, problemas de personalidade e quadros graves de psicose, por exemplo, não podem ser resolvidos em poucas sessões. Além disso, às vezes o paciente não faz terapia para resolver “uma doença” ou “defeito”, mas para se conhecer melhor.

Para identificar as causas de seu sofrimento, o sujeito no divã deve falar tudo que lhe vem à cabeça na hora da sessão. A livre associação de ideias é a principal matéria-prima da psicanálise e o modo de trazer à tona pensamentos soterrados no inconsciente. O psicanalista tem a função de reunir o que sai desse baú e avaliar o que isso diz sobre o paciente, que também aprende a se escutar. É por isso que esse terapeuta mais tradicional tem uma postura mais passiva e calada do que os adeptos das TCCs.
“A análise tem respeito à resistência do analisando, seu tempo e ritmo. Ninguém quer impor uma verdade à força, como ocorre em outros métodos”, explica Kupermann. “É daí que surge uma das principais reclamações: ‘o analista não me diz o que fazer!’ Mas ele não vai dizer.”

Ou seja, o psicanalista não entrega de mão beijada sua interpretação do paciente e faz questão que ele tenha seus próprios “insights”. Se a pessoa entende por conta própria como as questões do seu inconsciente influenciam suas relações interpessoais, transtornos de humor e autoestima, ela pode mudar de comportamento de maneira mais persistente. Só que essas sacadas sobre si podem demorar a surgir. É aí que surge o risco de terapias sem fim.

“Freud procurava curar seus pacientes das neuroses, mas, com o tempo e a evolução da técnica, reconheceu que o processo de autoconhecimento seria interminável. Teoricamente, uma pessoa poderia fazer análise pelo resto da vida e teria sempre o que descobrir. Mas ninguém nunca vai se conhecer totalmente e precisa saber a hora de parar”, diz a psicanalista Gleda Brandão, presidente da Federação Brasileira de Psicanálise.

Para evitar uma terapia sem fim, a alta deve ocorrer quando paciente e terapeuta perceberem que não há mais progressos na relação. E como saber se esse momento chegou? Vale indagar o terapeuta sobre isso, e o posicionamento do paciente é importante, porque é ele quem pode avaliar melhor se a terapia ainda está progredindo.

A ciência sugere uma medida mais objetiva, mesmo para terapias de longo prazo. “Os principais estudos dizem que 75% dos pacientes apresentam melhora após 50 sessões, o que daria cerca de um ano”, diz a psicóloga Maria Adélia Pieta. Para ela, o momento ideal para fazer um balanço do processo e ver se houve evolução é entre o 1° e o 2° ano de terapia. “Infelizmente, muitos psicoterapeutas não se baseiam em evidências científicas. Mas eu ficaria muito atenta ao fato de não ter realizado progresso com meu paciente nesse prazo.”

Editora Globo

Pode demorar, mas cura
Se você está na dúvida entre uma terapia mais breve ou longa, essas informações sobre as escolas que representam os extremos das opções de terapias já vão lhe ajudar a tomar uma decisão. Mas se você ainda está na dúvida se terapia funciona, de modo geral, saiba que hoje em dia a ciência não duvida mais disso.
A Associação Americana de Psicologia publicou em agosto uma revisão científica sobre a eficácia da psicoterapia, para a qual foram avaliados mais de 50 estudos sobre a maior parte das linhas disponíveis ao redor do mundo (veja algumas delas à esquerda). O material mostra que a psicoterapia — independentemente da abordagem — traz resultados mais duradouros do que os remédios psiquiátricos e que reduz a incidência de doenças, a mortalidade e o número de internações em hospitais psiquiátricos ao longo da vida.

Outro estudo deste ano mostra que o processo de psicanálise, especificamente, causa mudanças duradouras no cérebro. Publicado por pesquisadores do Núcleo de Neuropsicologia Clínica e Experimental da PUC-RJ na revista Psychology and Neuroscience, o trabalho mostra que o modo com que a pessoa interage com as figuras dos pais na infância altera sua memória interna. Essas lembranças trabalham independentemente da consciência, mas mexer com ela na terapia traz benefícios ao paciente porque afeta indiretamente a memória explícita — aquela a qual recorremos conscientemente no dia a dia.

“Sempre houve muita crítica à falta de embasamento científico da psicanálise. Mas ela desenvolveu uma forma particular de tratamento e é preciso executar uma série de atividades para que essas mudanças ocorram no cérebro”, diz o psicólogo Jesus Landeira-Fernandez, diretor do núcleo. “Isso, no fundo, é parecido com as TCCs e com outras escolas. Para dar certo, sempre é preciso produzir um sistema de aprendizado e de memória no cérebro, o que pode ser feito de modo mais subjetivo ou objetivo.”
No final das contas, não se pode dizer que exista uma linha melhor que a outra e que todas podem ajudar qualquer pessoa. Tudo vai depender das demandas e do sofrimento do paciente, que pode ser complexo e subjetivo ou muito claro e objetivo. É esse fator, principalmente, que vai definir se o processo durará semanas ou anos.

Ainda mais importante do que prazos é enxergar benefícios na relação com o terapeuta e acreditar nela. Isto é, a pessoa tem que querer mudar, confiar no profissional e ter certeza de que as propostas do processo têm a ver com o que precisa. É aqui que a abordagem do psicoterapeuta escolhido faz todo o sentido. Se não fizer, é hora de mudar.

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Fonte: Revista Galileu   
 
Adrienne Lucas
Psicoterapeuta cognitiva comportamental e sistêmica
Clínica Innover
email:drikkapsico@gmail.com

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